domingo, 15 de maio de 2016

O DESAFIO DE EDUCAR Jorge Alves de Oliveira Universidade Nove de Julho – UNINOVE jorafro@gmail.com RESUMO “O Desafio de Educar” constitui-se no enfrentamento de questões atuais que se colocam aos agentes envolvidos diretamente no trato com os estudantes do ensino médio, bem como com aqueles que pesquisam e estudam a educação como um todo. Atenção, em particular, para os pesquisadores da linha Filosofia e Educação, ou Filosofia da Educação. O pano de fundo das reflexões é este momento histórico pautado em duas pilastras. A da liberdade de expressão – compreendida como pensar, agir e dizer do seu modo; e a democracia – como sistema político que garante e institui direitos. Tudo isto promove a subjetividade e enriquece a polifonia de vozes sobre a vida humana em todos os seus aspectos. Contudo, levada a extremo, chega-se à subjetividade exacerbada, perniciosa que coloca a vida humana e a vida social em perigo. Evidente que o espaço escolar, em particular, a sala de aula participa deste momento histórico. Seus sujeitos, também, expressam suas subjetividades e, de certa forma, são incentivados a isto. Contudo, na unidade escolar vive-se, também, o contraditório. A subjetividade conflita com apontamentos historicamente construídos e preservados dada a importância significativa que trazem para a vida humana e social. Apontamentos que se deseja passar para os estudantes. O desafio de educar, contudo, encontra-se em decidir se é pertinente, relevante e fundamental, de fato, apresentar aqueles apontamentos aos novos – os estudantes. Considerar quais os possíveis efeitos que aqueles saberes suscitarão nestes novos, considerando o contexto atual em que vivem. Tais questões antecedem o esforço de se pensar em metodologias. O que está em jogo é a tradição, o novo que se faz presente, o compromisso ou não de se pensar o momento que se vive. É, portanto, compreensivo que o conflito se instaure neste espaço chamado escolar. O ‘como’ agir entre educadores e educandos é antecedido pelo ‘por que’ educar. É neste contexto que os adultos, em especial, os educadores atuam. É neste contexto que os novos estão inseridos. E, ambos, educadores e novos, são impelidos a agir. Considerar a herança histórica da humanidade. Atender as demandas subjetivas. Buscar novas significações para o momento em que se vive. Um desafio frente à possibilidade de constituir-se na repetição que beira à ruína de todos. Pior. A não responsabilização ao assumir a subjetividade exacerbada. Um desafio ao admitir a possibilidade de fazer surgir o novo. É aqui que a educação escolar, que se deseja pública, se faz presente. O apontamento que se faz apoia-se na filosofia. Ela, enquanto, promotora de incômodo, propositora de problemas, é, por isto, também, a que possibilita e incita diálogos – composições de subjetividades objetivando significações comuns. Na sua própria dinâmica de enfrentamento de temas, na busca incansável de significados para suas questões e, no refinamento da linguagem para melhor expressar as ideias, a filosofia e o professor de filosofia se destacam. Por sua característica de provocar incômodo, a filosofia se apresenta aqui, como aquela que convida e incita a todos à reflexão. De tal forma que a subjetividade se constitua elemento para a ressignificação de elementos comuns promotores da vida humana em toda a sua dimensão. Palavras-chaves: Educar; subjetivismo exacerbado; filosofia; professor de filosofia; ABSTRACT "The Challenge of Educating" constitutes the confrontation of current issues faced by agents directly involved in dealing with high school students as well as those who research and study education as a whole. Attention in particular to researchers online Philosophy and Education, or Philosophy of Education. The backdrop of this historic moment reflections is guided by two pilasters. The freedom of expression - understood how to think, act and speak on your own; and democracy - a political system that ensures and imposing. All this promotes subjectivity and enriches the polyphony of voices on human life in all its aspects. However, taken to extreme, one comes to the exacerbated pernicious subjectivity that puts human life and social life in danger. Evident that the school environment, in particular, the classroom part of this historic moment. His subjects also express their subjectivity and, in a way, are encouraged to it. However, at schools, too, lives up the contradictory. Subjectivity conflicts with notes historically constructed and preserved significant given the importance that they pose to human and social life. Notes you want to pass on to students. The challenge of educating, however, lies in deciding whether it is appropriate, relevant and critical, in fact, make those appointments to the new - students. Consider what the possible effects that these new ones will bring about knowledge, considering the current context in which they live. Such questions precede the effort of thinking methodologies. What is at stake is the tradition, the new one is present, the commitment or not the time to think that we live. It is therefore understandable that the conflict will initiate this space called school. The 'how to' act between teachers and students is preceded by 'why' educate. It is in this context that adults, especially educators act. It is in this context that the new ones are inserted. And both educators and new, are impelled to act. Consider the historical heritage of humanity. Attending the subjective demands. Find new meanings for the moment in which we live. A challenge facing the possibility of establishing in the repetition bordering the ruin of all. Worst. The lack of accountability by assuming the heightened subjectivity. A challenge to admit the possibility of the new emerging. It is here that education, you want public, is present. The note that is supports the philosophy. She, while promoter nuisance proponent of problems is, therefore, also, that enables and encourages dialogues - compositions aiming subjectivities common meanings. In its own dynamic coping themes, the tireless pursuit of meaning to your questions, and in the refinement of language to better express ideas, philosophy and philosophy professor stand out. By its characteristic to cause nuisance, the philosophy is presented here as one that invites and encourages everyone to reflection. So that subjectivity is constituted element for the redefinition of common elements promoters of human life in all its dimensions. Keywords: educate; exacerbated subjectivism; philosophy; professor of philosophy. Primeiros apontamentos O título deste texto indica o objetivo de dialogar com o eixo temático “Ética, política e educação” proposto por este Colóquio. Ele se pautará pela questão crucial posta a todos aqueles se aproximam da educação, em especial da educação escolar, que se quer pública . Porque educar os novos? De fato o cenário deste início de século, marcado pela refutação sumária de qualquer ação que acene ser um atentado contra a liberdade de expressão e, os reclames incisivos pró-democracia, colocam a educação e, o ato de educar, em estado de atenção. Tal cenário produz uma polifonia de vozes. Esta polifonia se assenta e, legitima-se, pautada no direito do indivíduo de poder pensar, expressar-se e agir segundo suas próprias convicções e conveniências. Tudo isto livre de quaisquer amarras externas . Apoia-se, ainda, no exercício democrático na busca por direitos. Chauí (2002) explica que “a sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à criação de direitos reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos.” (p. 226) Levado ao extremo, tais apontamentos – “liberdade de expressão” e “democracia” – colocam a sociedade sobre o fio tênue entre a subjetividade, duramente constituída, paralela ao compromisso irrefutável de se pensar em grupo. Entre o subjetivismo exacerbado, descompromissado até mesmo com o próprio indivíduo que diz pensar, expressar-se e agir segundo suas convicções. No espaço escolar, o educador sabe que aquela polifonia de vozes traz consigo inúmeras visões de mundo, bem como, suas respectivas significações e desdobramentos práticos. Ele sabe que aquela polifonia de vozes coloca tudo e a todos em xeque. Ao mesmo tempo ele sabe que em meio a esta polifonia de vozes é preciso que algo se apresente, se constitua como sólido, como indicativo para o grupo social. A necessidade de uma nova ressignificação obriga a pensar sobre os referencias que se quis/quer ser basilar, arrimo, algo sólido, socialmente, falando. Ele sabe da existência de balizas que, aceitas ou não, são referencias para o bem ou para o mal, constituindo-se na base estruturante da sociedade. Em meio a estes saberes, encontra-se aquele que é fundante da identidade do educador. Saber que deve se posicionar frente ao mundo . Assumir e agir segundo sua condição de educador. Arendt (2003) escreve desta forma: “O educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é.” (p. 239) Tais apontamentos objetivam indicar que o educador necessita ancorar-se em algo que possibilite a sua intervenção junto aos educandos. Severino (2004) apresenta a educação como ... prática simultaneamente técnica e política, atravessada por uma intencionalidade teórica, fecundada pela significação simbólica, mediando a integração dos sujeitos educandos nesse tríplice universo das mediações existenciais: no universo do trabalho, da produção material, das relações econômicas; no universo das mediações institucionais da vida social, lugar das relações políticas, esfera do poder; no universo da cultura simbólica, lugar da experiência da identidade subjetiva, esfera das relações intencionais. (p. 10) Em suma, o quadro é este e o desafio se faz presente. Como enfrentar estes imbróglios? Este texto deseja apoiar-se na filosofia e na prática pedagógica do professor de filosofia como base para este enfrentamento. Há a suspeita de que ambas podem contribuir para se pensar em uma educação que ‘aproxima o velho do novo’, ‘os jovens do mundo’. Que auxilie na justificativa de ‘apresentar este mundo em ruínas aos novos’. Que contribua com o ineditismo e a renovação advinda dos novos. O Desafio de Educar e a Filosofia Por que eleger a filosofia como aquela que pode contribuir com as questões sobre o ato de educar que se vem apresentando? De acordo com Lorieri (2002) é possível considerar. A filosofia é igual às outras formas de conhecimento, porque ela é um conjunto de procedimentos da consciência humana que, ordenados de certa forma, procuram produzir respostas, o mais garantidas possível, para questões com as quais os seres humanos se deparam em suas vidas ou para questões que eles se fazem quando se põem a pensar mais atentamente. E, talvez, possamos dizer que a Filosofia é diferente das demais formas de conhecimento, porque ela trabalha principalmente e prioritariamente sobre certas questões, utilizando uma maneira própria de abordá-las, tendo em vista produção de respostas que nunca se fecham, porque são continuamente questionadas. (p. 35) Porque a filosofia propõe-se a reflexões e estudos de “certas questões” e, diga-se, temas cruciais sobre o homem (antropologia), sobre sua existência e permanência em grupo social (política), sobre o conjunto de valores e princípios que norteiam ou perpassam suas ações (axiologia). Ela tem especial importância no processo e formação das novas gerações e vem a calhar no embate dessas com as que as precederam como é caso dos educadores, em sua maioria. Uma reflexão que deseja ser radical (busca da raiz), ser crítica (estabelecer critérios) e cuidadosa (pautada por valores e princípios morais) pode ser uma via para este trabalhoso embate. A filosofia, apresentada desta forma, enfrenta aquela polifonia de vozes, retirando aqueles que se encontram ou desejam estar na sua zona de conforto, incitando-os às novas significações e formulações sobre o mundo. Japiassú (1997) escreve. A decisão da filosofia de aceitar esses desafios com paixão e alegria, permite-lhe preservar como sempre novo e vivo seu primeiro espanto admirativo, anterior à esclerose do pensamento e ao enrijecimento da inteligência. Ademais, visto estar sempre pretendendo olhar o mundo com um olhar sempre novo, embora jamais deixando de estar atenta à historicidade das problemáticas atuais, cabe-lhe uma tarefa essencial: introduzir sempre o “bom senso” no cerne dos problemas e dos conflitos presentes, no coração de vigilância e da gravidade de todos os templos da theoria, para que a reflexão e a lucidez jamais sejam neutralizadas ou corrompidas nem tampouco façam concessões às exigências da liberdade, à busca da alegria (ou beatitude) e ao desejo de saber. (p. 23) A filosofia considera a subjetividade, mas, incita a intersubjetividade. Jaspers (1971) escreve que “quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de parti¬lhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade.” (p. 138) De acordo com Lorieri (2002) no espaço escolar, a filosofia pode “oferecer um espaço curricular específico, no qual crianças e jovens possam dialogar investigativamente, com base em questões relativas a certas “temáticas de fundo”, de tal forma que possam pôr sob exame, progressivamente, as referências ou os ideais reguladores que encontram em seu cultural.” (p. 46) Mais. Esta filosofia possibilita ao educador colocar-se frente aos novos como alguém que conhece as questões problemas enfrentadas pela humanidade e, como ela os respondeu ao longo da história. Ele se coloca, também, como alguém que se questiona e, busca respostas para aquelas questões que merecem novas reflexões. Ele, ainda, se coloca frente aos novos auxiliando-os a formularem as questões que se encontram latentes, mas, sem uma forma definida. Estes apontamentos sobre a filosofia, contudo, não se fazem sem turbulências. De pronto é preciso ter presente que a filosofia não é o ponto final no âmbito da educação e da formação humana. Como todos os demais saberes ela, também, apresenta limitações. Seu mérito é o de suscitar incômodos por meio de questionamentos. Entenda-se, neste primeiro momento, incômodo como um desassossego, um desalojar-se de uma desejada zona de conforto , portanto, ela provoca um mal-estar. Jaspers (1971) diz que “o problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz.” (138) E o pensador continua. “Busca, mas não pos¬sui o significado e substância da verdade única. Para nós a verdade não é está¬tica e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito.” (idem, 138) Ao considerar o texto acima, é compreensível a suspeição que se tem frente à filosofia. Sobre tudo porque “a filosofia leva esse conflito ao extremo, porém o despe de violência.” (idem, p. 138) Mesmo as críticas que recebe, são transformadas em objetos de reflexão, de considerações, de ponderações. Como, enfim, a filosofia pode contribuir para apresentar o mundo aos novos? Ao longo do texto já foram feitas algumas sinalizações a respeito da possível contribuição da filosofia e do professor de filosofia para o enfretamento do desafio de educar. Para efeito de melhor sistematização, contudo, e, ênfase no que se deseja postular será importante apresentar três tópicos que se inter-relacionam. 1. Buscar a palavra que signifique o mundo Na primeira parte deste texto foi tecido um quadro que apontava, entre outros, para a existência de uma polifonia de vozes, apoiada na máxima da liberdade de expressão e no exercício da democracia. Tal polifonia se faz presente no espaço escolar, na sala de aula em especial. Acrescente-se o incentivo das novas mídias e redes sociais para que se fale e escreva. O desafio que se coloca, portanto, é este. Fazer com que esta fala e esta escrita articulem as palavras de tal forma que expresse ideias, interprete um fato, que, em suma, auxilie na significação do mundo que é comum a todos. Como escreveu Freire (2011) o que se deseja é a “palavramundo”. (p. 19) A palavra que vai além da grafia, propriamente dita, e, da sua leitura, enquanto, palavra. Mas, sim, a palavra que diz o mundo que já fora pensado e lido. A palavra, agora, que ajuda a dizê-lo, que ajuda a interpretá-lo, que ajuda a transformá-lo. Freire considera “que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. (...) Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos.” (p. 29) Em outra elaboração, Freire (1987) apresenta a palavra nestes termos. “A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.” (p. 78) A ênfase é na busca da palavra que significa algo. Aquela que auxilia na leitura e na expressão deste mundo. Ainda sobre a palavra, mesmo sendo em outra perspectiva, é significativo ler o que escreve Cunha (2009) De fato, as palavras são signos, submetidos, portanto, a todas as determinações da construção social destes. As coisas só existem para o homem na medida em que podem receber significado na linguagem, e a essência delas só pode ser estabelecida e utilizada mediante as operações de nomeações realizadas pela linguagem verbal. Daí que a linguagem verbal constitui-se como linguagem estruturante em relação a todas as outras. É ela que permite o nascimento da cultura, bem como a transmissão para as gerações futuras das conquistas acumuladas ao longo das interações dos homens entre si, no afã de humanizar a natureza – domesticando-as, transformando-as e incorporando-as aos seus projetos. Assim, a correta utilização das palavras reflete não só uma boa preparação da inteligência para os desafios de compreensão e de explicação do mundo, mas também constitui um sinal de elevação espiritual, uma mostra daquilo que garante ao homem a paz e a autoconfiança diante das coisas e da hostilidade do mundo. (p. 113) Neste sentido, é válida, também, a contribuição de Severino (2013) Quando alguém escreve um texto, está se colocando como um emissor que pretende transmitir uma mensagem para um receptor. A mensagem é pensada pelo autor, codificada mediante signos e transmitida ao leitor. Portanto, ao redigir, o autor/emissor procede à codificação da mensagem a ser transmitida; o leitor/receptor, ao ler o texto, procede à decodificação da mensagem do autor, para então apropriar-se dela em seu pensamento, assimilando-a, personalizando-a e compreendendo-a. Esse é o ciclo completo do processo da comunicação entre os sujeitos humanos. (p. 9) Feitas estas considerações, o desafio de educar, recebe a contribuição da filosofia e do professor de filosofia, quando esta polifonia de vozes e aquela subjetividade exacerbada se voltam para temas comuns e promovem falas que construam significados, também, comuns. De outra forma. Falas que auxiliem a melhor significar aquelas “ certas questões” – acerca da antropologia, política, axiologia – já apresentadas em tópicos anteriores. 2. Possibilitar a fala é indissociável da oferta de repertório. Para que se busque aquela palavra é necessário que se tenha um repertório comum. Neste sentido a literatura, em especial, a filosófica se apresenta como oportuna. Ela, a leitura filosófica, traz consigo as “certas questões” filosóficas contempladas por diversos pensadores em suas respectivas épocas, constituindo-se em elemento com grande potencialidade de aglutinar a todos. A escrita filosófica constituí parte fundamental, valiosíssima, deste grande acervo da cultura humana. (...) Daí a importância que a leitura dos textos filosóficos assume em nosso processo educacional, pois eles tratam fundamentalmente do sentido da nossa própria existência. (...) Desse modo, ler os textos filosóficos deve representar, para nós, hoje, a busca de um diálogo com aqueles que nos precederam nessa tarefa de desvendar o sentido das coisas, ou daqueles que o fazem hoje, em diferentes lugares. (idem, p. 6) Ao mesmo tempo em que o repertório é ampliado pela literatura filosófica, há uma especificidade na escrita filosófica que implica em um tipo de leitura e interpretação que, por sua vez, constrói uma lógica de pensar. Não se lê um texto filosófico como se lê um romance ou uma nota no jornal. Cada gênero literário tem sua lógica e pede do leitor tal habilidade. No texto filosófico se faz presente o rigor, a articulação e, a busca pela palavra significante do pensamento ou do objeto pensado. “Daí a necessidade do fazer filosofia que se expressa como produção do pensar, dito e escrito, onde ele concretiza o domínio das atividades básicas do pensamento, que são o conceituar, o problematizar e o argumentar.” (Severino, 2014, p. 103) Isto tudo é aumentar o repertório do grupo para aquilo que está posto como desafio, a recordar, buscar palavras que produzam significados comuns a todos sobre o mundo em que vivem. Uma aproximação de ideias que contribui com a ruptura do fechamento pela via do silêncio ou da postura exacerbada do subjetivismo. Neste contexto é pertinente ler Lorieri (2014) Ao se aprender os conteúdos do pensamento de qualquer filósofo é necessário apreender, ao mesmo tempo, como ele argumenta a favor de suas afirmações ou teses. Afirmações ou teses são os juízos emitidos no discurso. Afirmações sem argumentos são vazias. Visto isso no texto filosófico, pede ao aluno que produza seus discursos argumentativos. (p. 44) 3. Possibilitar espaços de construções comuns A perseguição pela palavra que signifique o mundo de tal forma que se crie significados comuns necessita de interlocutores. Não é um trabalho isolado, ainda que cada indivíduo seja convidado a fazer a sua elaboração. Eis, portanto, o ápice do desafio de educar tal como se construiu neste texto. Fazer filosofia ou, então, pensar filosoficamente, ou ainda, iniciar-se no universo do pensamento filosófico é colocar-se frente ao pensamento do outro. No limite. É pensar sobre e com o outro. Portanto, guardadas as legítimas individualidades, o desafio em sala de aula é preservá-las, mas, dentro de discursos, leituras, reflexões que produzam significados comuns. Freire (1987) formula que “(...) se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.” (p. 78) A ênfase aqui é fazer com que este indivíduo, o novo, ensimesmado tenha a sala de aula como lugar comum para construir significados comuns para si e para os demais. Todos os apelos privados e, até mesmo, legítimos do porque estar neste espaço escolar, precisa ser ressignificados frente a este desafio que se coloca pela filosofia, na pessoa do professor de filosofia. Alguns autores apontam para o diálogo como condição para consolidar esta construção comum. “Dialogar investigativamente significa conversar de forma ordenada a respeito de um assunto (tema) com a intenção de ter ideias mais claras e mais verdadeiras a respeito dele, tanto para si como para os outros que participam da conversa (diálogo).” (Lorieri, 2002, p. 78) A efetivação da sala de aula como espaço de construções comuns promove a ressignificação da relação ‘eu’ e o ‘outro’, nas perspectivas antropológica, ética e política. A possibilidade concreta de compor com ele, mesmo sendo diferente. Eis, portanto, os desafios de educar que se colocam nesta perspectiva de uma educação que toma por base a filosofia e a prática do professor de filosofia. Últimas Considerações O texto que se encerra buscou percorrer aquelas questões que marcam a educação escolar nestes tempos. Ele não se configura como receituário, mas, deseja ser elemento para o debate. Neste sentido é pertinente um breve panorama do que se buscou construir. Tome-se que o próprio título já aponta a educação escolar pública, como algo desafiador. Educar é ação complexa que implica em reflexões constantes. Eis, portanto, o porque do “desafio de educar”. A questão torna-se mais aguda, ainda quando se pensa no “por que educar os novos?” “Por que ofertar a eles questões que, a princípio, não lhes dizem respeito?” Enfrentar estas questões é ir ao núcleo da ação educativa. Os apontamentos formulados neste texto indicam que negar aos novos o que fora construído ao longo da história é privá-los da experiência humana. A não apresentação das respostas construídas pela humanidade frente aos problemas que surgiram significa colocar os novos num eterno recomeço do nada. Educa-se, portanto, exatamente para que seja possível o surgimento do novo. Mas, este ‘novo’ somente o é em relação ao que se tinha ou tem. Desta forma o ato de educar transita entre os conceitos de tempo – presente, passado futuro. Mesmo que a resposta que se tenha seja parcial, ela é, historicamente, construída. Por ser histórica, ela é dinâmica, aberta ao novo. É esta a aposta que se faz ao longo da educação escolar. Tal desafio recebe a contribuição da filosofia e da prática do professor de filosofia. Entre elas fazer com que o espaço da sala de aula seja um local da busca pela palavra que significa o mundo. Para uma efetiva ocupação deste espaço as falas precisam perseguir temas que são de todos e para todos. Uma fala que traz o subjetivismo, mas, ampliada com o repertório da literatura filosófica. Uma fala construída com os outros que, também, buscam significar o mundo. Atente-se, ainda, que estes apontamentos, de enfrentamento ao desafio de educar, se dão no campo intelectual e prático. Ser preciso na fala, aumentar o repertório, pensar e falar com o outro, fragiliza em muito o subjetivismo exacerbado que tem somente o ‘eu’ como falante e significante. Ao mesmo tempo auxilia na compreensão de que aquelas questões, até então distantes dos novos, pertencem sim a eles, são humanos, e, por direito, integrantes deste mundo humano. Enfrentar, portanto, as questões sobre o ‘desafio e educar’ deve constituir-se no exercício que revigora os esforços de se pensar a educação escolar e qual os compromissos que se deseja com estes novos. Referências bibliográficas ARENDT, H. A Promessa da Política. RJ. Difel. 2008. CHAUI, M. Filosofia. SP. Moderna. 2002. CUNHA, José A. Iniciação à investigação Filosófica – um convite a filosofar. Campinas. Alínea Editora. 2009. DALLARI, D. Direitos Humanos e cidadania. SP. Moderna. 2001. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler e escrever – em três artigos que se completam. São Paulo. Cortez Editora. 2011. ¬¬¬¬¬____________ . 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